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Quando eu era criança, gastava toneladas de papel e caixas e mais caixas de lápis coloridos. Escrevia, desenhava e pintava o dia inteiro, principalmente nas férias, quando meus afazeres escolares não brecavam minhas “manifestações artísticas”.
Meu pai não saía da papelaria, comprando centos de papel, cadernos de desenho e lápis, hidrocores, guaches e pincéis, que eu consumia vorazmente, assim como vários livros.
Em frente ao consultório dos meus pais havia uma livraria, a “Ponto de Encontro”. Eu ia pra lá e ficava a tarde inteira sentada entre as prateleiras dos livros, lendo, como se estivesse em uma biblioteca. Os donos não se incomodavam, porque geralmente eu comprava os livros que lia – para ler de novo outras vezes. Eu acreditava – e ainda acredito – que a cada nova leitura, encontram-se novos detalhes não detectados na primeira vez.
Com aproximadamente sete anos, passei a escrever histórias e ilustrá-las. Meu acervo infantil contava com vários “volumes”. Fazia versinhos e poesias encomendados pela vizinhança. Enveredei também pelo mundo dos quadrinhos, onde criei diversos personagens, inspirados principalmente nos meus amiguinhos aqui da rua e da escola. Nessa época, desenhava e pintava alucinadamente e não havia papel que chegasse.
E foi com horror que minha mãe encontrou, um dia, as paredes branquinhas, recém-pintadas dos fundos do seu consultório, amplamente grafitadas com caneta Bic. Pelo visto, naquele dia me faltou papel, e eu achei que mamãe ficaria feliz em ter suas paredes decoradas com minha “arte” – no sentido duplo. Não ficou.
Anos mais tarde, fui estudar Publicidade & Propaganda, visando me profissionalizar nas coisas que fiz a vida inteira: desenhar, escrever, criar. Mas, em pouco tempo, descobri que isso nem sempre dava dinheiro, e que eu não poderia me dar ao luxo de trabalhar apenas pelo “prazer da profissão”. Afinal, publicitário também tem que comer e pagar contas.
Lembrei-me então das palavras proféticas do meu pai, enxergando-me atrás das resmas de sulfite:
- Vai ser tabeliã.
Ele tinha razão. Hoje em dia, meu destino realmente parece ser o serviço público ou afins. Sempre adorei papéis, mas não exatamente no sentido burocrático. Acontece que não encontro opções, e nem sei se seria assim tão competente para fazer atualmente o que fazia em escala industrial quando criança. Ao que parece, minhas ambições artísticas e literárias foram deixadas de lado em nome das mais básicas necessidades humanas.
Então estudo apostilas chatíssimas, leis entediantes, parágrafos e incisos intermináveis, martelados incessantemente na cabeça, para ver se ficam. Tudo pela estabilidade financeira e profissional de um emprego do governo. . Deixei de desenhar há algum tempo, quando as esperanças também começaram a me abandonar. Meus dois últimos desenhos foram um auto-retrato e um retrato da minha mãe, feitos com lápis preto Koh-I-Noor.
Agora, raramente desenho, mas continuo escrevendo. Inclusive, foi por esta razão que “fundei” o blog – para brincar um pouco de redatora e expor meus pontos de vista.
Mas ainda olho cobiçosamente para aquelas caixas de lápis aquareláveis da Faber-Castell...